O papel dos espaços de diversão noturna na criação de comunidades LGBTQIA+ em Lisboa

Segunda-feira, Novembro 11, 2024 - 07:38

Um artigo de revisão, cuja primeira autora é Cristiana Vale Pires, da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa (FEP-UCP), lança luz sobre um capítulo pouco explorado da história LGBTQIA+ em Portugal: a vida noturna queer em Lisboa


O artigo intitulado "A century of queerness after dark: A socio-historical review of lesbian, gay, bisexual, transgender and queer nights in Lisbon (1920-2020)" revela a importância dos ambientes de lazer noturno na criação de comunidades, na promoção da sociabilidade e no estabelecimento de padrões de uso de drogas entre as pessoas LGBTQIA+, ao longo de cem anos (1920-2020).

O trabalho foi realizado no âmbito das comemorações dos 40 anos da descriminalização da homossexualidade em Portugal (2022), e teve como objetivo preencher uma lacuna na história das pessoas LGBTQIA+ no nosso país. Segundo a docente: “há pouca informação sobre como os ambientes de diversão noturna contribuíram para a criação de comunidades, padrões de consumos de drogas, e para a expressão identitária desta população em Lisboa”.

 

O ambiente noturno como refúgio seguro para as pessoas LGBTQIA+

O estudo apresenta uma trajetória histórica detalhada das pessoas LGBTQIA+ em Lisboa, ao longo de cem anos, demonstrando que os espaços de lazer noturno ofereceram um refúgio seguro e um ambiente de pertença comunitária. Nestes espaços, as pessoas LGBTQIA+ podiam explorar livremente a sua identidade e expressão de género, não sendo alvo da marginalização, repressão e violência que encontravam durante o dia.

“Este facto resultou também na criação de subculturas de lazer e de consumo de drogas específicas dentro da comunidade LGBTQIA+, avança a investigadora do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano (CEDH). O policonsumo de álcool, canábis, cocaína e MDMA eram bastante utilizados “como tecnologias do eu” para a libertação sexual e de género.

Para a docente da FEP-UCP, esta revisão sócio-histórica é crucial para compreender as tensões culturais, estereótipos e representações sociais associadas às pessoas LGBTQIA+. O artigo ainda explora o modo como os espaços de diversão noturna, frequentados por esta comunidade, foram sendo alterados ao longo do século, e como têm sindo impactados por políticas públicas, pandemias, inovações tecnológicas e processos de transformação urbana.

O estudo contribui significativamente para o conhecimento da história LGBTQIA+ em Portugal e para a compreensão das dinâmicas sociais e culturais que moldaram as vidas das pessoas queerao longo do século XX e início do século XXI. Ao trazer à luz a importância dos espaços de lazer noturno, a investigação abre novas perspetivas para investigações futuras e para a criação de políticas públicas mais inclusivas e justas.

Para além de Cristiana Vale Pires participaram no artigo, Manuel Garcia-Ruiz (Instituto Universitário de Lisboa), Filipe Couto Gomes (Associação Kosmicare) e Jordi Nofre (Universidade Nova de Lisboa).