Artigo de Opinião por Vera Ramalho e Vânia Sousa Lima, docente da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa, no Porto.
Tem razão Milton Nascimento ao cantar “amigo é coisa para se guardar do lado esquerdo do peito mesmo que o tempo e a distância digam não”.
Tal como havia combinado com a minha amiga, como eu, psicóloga, estava a procurar avançar (pelo menos) parte deste texto que decidimos em conjunto escrever sobre amizade e saúde mental (consideramos que fica bem a duas psicólogas fazê-lo), quando ouço uma notificação do telemóvel. O pliim era uma mensagem de outra amiga (não psicóloga; os psicólogos também têm amigos não psicólogos, por estranho que pareça). Há já muito que não estávamos juntas (um mês? Um pouco mais, um pouco menos, não sabemos bem. Certo era que ambas achávamos que não estávamos juntas há muito tempo. A perceção — partilhada — é mais relevante do que a realidade).
No início da semana, tinha dado indicação de querer estar comigo, “pensar alto” com alguém que lhe é relevante, que a conhece, às suas circunstâncias, competências e dificuldades. Partilhar-se num “espelho relacional” e assim melhor tomar uma decisão. Não necessariamente a melhor decisão, entenda-se. Apenas a decisão que mais sentido neste momento faça. E isso não raras vezes exige interlocutor. O que esteja disponível a acolher, sensível às necessidades, focado em responder-lhes. Um amigo. Disse-lhe que viesse cá a casa. Está a chover neste fim de tarde e caminhar pelo bairro como costumamos fazer não é particularmente aprazível. Daqui a nada toca a campainha e terei de interromper este texto sobre amizade e saúde mental. Por se tratar de amizade. E saúde mental.
A campainha tocou, o abraço deu-se, a conversa desenrolou-se, o sentido criou-se, o vínculo fortaleceu-se, o bem-estar (de ambas) potenciou-se. A amizade aconteceu. E a saúde mental.