Estudo demonstra que problemas da alimentação podem estar associados a problemas emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes

Quinta-feira, Abril 29, 2021 - 10:19

Docentes da Faculdade de Educação e Psicologia (FEP) da Católica no Porto publicam artigo na revista Journal of Child and Family Studies que contribui para a compreensão dos problemas da alimentação e da ingestão de alimentos na vida das crianças e adolescentes portugueses.  

Estudo demonstra que problemas da alimentação podem estar associados a problemas emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes

Intitulado  “Frequency and Correlates of Picky Eating And Overeating in School-aged Children: A Portuguese Population-based Study”, o artigo foi desenvolvido por docentes da FEP e investigadores do Research Centre for Human Development (CEDH) -Bárbara Cesar Machado, Pedro Dias, Vânia Sousa Lima e Alexandra Carneiro - em co-autoria com Sónia Gonçalves (investigadora do GEPA, Unidade de Investigação em Psicoterapia e Psicopatologia do CIPsi – Escola de Psicologia, Universidade do Minho).

Desafiamos Bárbara Cesar Machado, uma das autoras do estudo e docente da Faculdade, para uma entrevista sobre o tema.

 

Qual é o principal foco desta investigação?

Este estudo centrou--se na avaliação de um conjunto diversificado de problemas emocionais e comportamentais, incluindo a presença de picky eating (alimentação restritiva) e overeating (alimentação excessiva), em crianças e adolescentes com idades compreendidas entre os 6 e os 18 anos (n = 2687). Esta avaliação envolveu a colaboração dos pais, dos professores e dos próprios jovens, considerando a perspectiva de cada um. Com este estudo pretendemos compreender os mecanismos coexistentes entre o comportamento alimentar e o funcionamento psicológico global de crianças e adolescentes através de uma amostra não-clínica.

 

O que é que motivou a sua realização?

Contribuir para a compreensão dos problemas da alimentação e da ingestão considerando a percepção de diferentes informadores relevantes na vida das crianças e adolescentes, como os pais e professores, sem negligenciar a perspectiva do próprio jovem. Acreditamos que a perspectiva dos professores é útil para o melhor entendimento sobre o funcionamento adaptativo das crianças e adolescentes, captando uma visão extrafamiliar. Usando a bateria de avaliação ASEBA para o período escolar (Achenbach System of Empirically Based Assessment / Manual do Sistema de Avaliação Empiricamente Validado) estamos capazes de gerar uma avaliação integrada das crianças e adolescentes com múltiplos informadores.

 

Considera que os comportamentos alimentares das crianças são um problema grande dos dias de hoje?

O que os estudos nos dizem é que os comportamentos da alimentação e da ingestão podem ser uma fonte de preocupação para os pais, da infância à adolescência dos filhos, e que estes comportamentos/problemas têm captado a atenção dos clínicos e da investigação e sustentado a procura de intervenção médica e psicológica. Apesar do picky eating poder persistir até à idade adulta, na maioria das situações pode ser considerado como parte do desenvolvimento normal, tendo uma maior prevalência nas crianças em idade pré-escolar. Apenas variantes extremas do picky eating, que se associem a perturbação clínica significativa ou incapacitem o desenvolvimento ou funcionalidade, cumprem os critérios para o diagnóstico de uma perturbação mental (nomeadamente, a perturbação e ingestão alimentar evitante/restritiva). Já o overeating contribui para uma ingestão de energia em excesso e pode estar associado ao aumento de peso e peso excessivo nas crianças e adolescentes, sendo identificado em alguns estudos como predictor para o desenvolvimento de obesidade.

 

Considera que ainda há pouca investigação sobre o tema?

Há poucos estudos que combinem a avaliação do picky eating e do overeating em populações não-clínicas em idade escolar (6-18 anos), sobretudo se procurarmos relacionar aqueles comportamentos alimentares com a co-ocorrência de problemas emocionais e comportamentais. Existem vantagens na compreensão destes comportamentos numa moldura que enquadre os diversos aspectos do funcionamento comportamental, emocional e social das crianças e adolescentes, quer do ponto de vista adaptativo, quer desadaptativo, para além de também serem consideradas as competências das crianças e adolescentes (sociais, escolares e relacionadas com as actividades que desenvolvem).

 

Quais as principais conclusões retiradas?

O picky eating foi identificado em 23.1% dos participantes, sendo este mais comum nas crianças mais novas. Já o overeating foi identificado em 24% dos participantes e foi mais comum nas crianças mais velhas, com nível socio-económico mais baixo e com excesso de peso. Os resultados evidenciaram que tanto o picky eating como o overeating estão associados à presença de um conjunto diversificado de problemas emocionais e comportamentais nas crianças e adolescentes e que por sua vez a presença destes problemas foi predictora do picky eating e overeating.

 

Em que é que consiste o principal contributo deste artigo?

Os nossos resultados suportam a possibilidade de um padrão mais vasto de problemas emocionais e comportamentais, potencialmente desadaptativos, poderem estar associados à presença de picky eating e de overeating. Podemos assim concluir pela necessidade de um olhar integrador sobre o funcionamento global das crianças e adolescentes quando pretendemos compreender o terreno favorável para a emergência de problemas da ingestão e alimentação, ao longo das diferentes etapas desenvolvimentais que as crianças e adolescentes percorrem. Através da utilização da bateria de avaliação ASEBA somos capazes de avaliar o picky eating e o overeating, podendo contribuir para o prognóstico, curso e evolução de comportamentos que podem ser transitórios ou, pelo contrário, ter uma duração mais prolongada.

 

NOTAS:
- Não existindo uma terminologia adequada para a tradução de picky eating (alimentação restritiva) e overeating (alimentação excessiva) a autora manteve a terminologia original
- A autora escreve de acordo com a antiga ortografia