Cristiana Vale Pires, investigadora do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano (CEDH) da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica (FEP-UCP), assina um artigo que lança uma nova perspetiva sobre o fenómeno de needle spiking — a administração clandestina e predatória de substâncias psicoativas por via injetada.
O artigo, intitulado “Sexual terrorism in the post-pandemic nightlife? A feminist critical discourse analysis of the needle spiking media coverage”, analisa o modo como as narrativas mediáticas e sociais em torno deste fenómeno amplificam o medo e condicionam a liberdade das mulheres nos espaços de lazer noturno.
O fenómeno needle spiking: medo, rumores e impacto mediático
Em outubro de 2021, um número crescente de mulheres denunciou casos de needle spiking no Reino Unido, um fenómeno que emergiu no contexto da reabertura dos estabelecimentos de lazer noturno, após dois anos de medidas de isolamento social para conter a pandemia de COVID-19.
Apesar de as evidências científicas demonstrarem a baixa prevalência de ocorrências e existirem dificuldades em comprovar a incidência do fenómeno, a cobertura mediática amplificou rumores e especulações, gerando ondas de alarme e medo, sobretudo entre jovens mulheres.
Para chegar a estas conclusões, a autora analisou 213 fontes mediáticas em língua inglesa, recolhidas através de pesquisa online, utilizando uma abordagem feminista de análise crítica do discurso.
De acordo com Cristiana Vale Pires, “o needle spiking tem funcionado como uma forma de “terror sexual”, ativando nas jovens mulheres o medo da violação e limitando a sua participação em espaços públicos e ambientes de lazer.”
A investigadora concluiu que as narrativas mediáticas, para além de instaurarem o pânico, agem como um discurso disciplinador que instrui as mulheres “a adotarem uma etiqueta anti-spiking para se protegerem de agressões sexuais.”
O papel dos media como "terceiros educadores"
A investigação destaca o papel central dos media na construção destas narrativas, atuando como "terceiros educadores" que moldam comportamentos e perceções de género.
“No caso do spiking, mesmo antes de começarem a sair à noite as mulheres aprendem, através de rumores, mas também de histórias de terror sexual disseminadas pelos media, que podem ser vítimas de violência sexual facilitada pelo uso de drogas, e que devem implementar um conjunto de estratégias comportamentais e sociais para as prevenir.”, refere.
No entanto, “as histórias de spiking são baseadas em rumores e especulação que reproduzem mitos da violação e estereótipos que cristalizam as relações de género e tendem a responsabilizar unicamente as mulheres pela sua proteção e pela violência que possam vir a experienciar.”
A importância de uma análise crítica
Cristiana Vale Pires enfatiza a necessidade de uma abordagem crítica e abrangente para analisar fenómenos como o needle spiking. Para além de compreender a sua real incidência, a investigadora defende que é essencial questionar os impactos sociais e psicológicos de rumores e especulações amplificados pelos media.
