
Lurdes Veríssimo é docente e investigadora da Faculdade de Educação e Psicologia na área da Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano. É, também, coordenadora da Clínica Universitária de Psicologia, onde é psicóloga de crianças, jovens e famílias. Nasceu na Alemanha, cresceu em Coruche, estudou em Coimbra e vive no Porto há 25 anos. Na FEP-UCP está desde 2004, ano em que é lançada a licenciatura em Psicologia. O que é que distingue a Católica? “Vestimos 100% a camisola”. Nos tempos livres? Caminhar, ler, cozinhar.
Que importância é que a Escola teve na sua vida?
A Escola “salvou-me” em muitos momentos… Foi essa experiência tão positiva que criou em mim esta vontade de querer trabalhar com crianças e jovens e poder contribuir para a sua saúde mental, para o seu desenvolvimento pleno, para a sua realização e para o seu bem-estar psicológico.
Que memórias guarda da sua infância?
Nasci na Alemanha. Sou de uma família com dificuldades financeiras e a vida estava muito difícil em Portugal na década de 60 e 70 e, por isso, os meus pais emigraram …vivi na Alemanha até aos meus 5 anos. Acabo por crescer em Coruche, no Ribatejo.
Para além da experiência muito feliz na Escola, o voluntariado também acaba por definir o que virá a ser o seu percurso profissional…
Sim, foi determinante. Desde os meus 14 anos que sempre fiz voluntariado, participei em muitos projetos e integrei várias organizações. Todo o meu tempo livre era dedicado ao voluntariado. Em hospitais de saúde mental, comunidades de toxicodependentes, lares de idosos, creches... Fazia voluntariado em Coruche, mas durante as férias em vários sítios do país. Foi o que me permitiu conhecer realidades diferentes e reforçar que a Psicologia seria o meu caminho.
Quem é que a provocava para o voluntariado?
Talvez ninguém… É uma pergunta curiosa, mas acho que, desde cedo, senti que o meu tempo podia ser gerido de uma forma mais inteligente e ao serviço das outras pessoas. Nunca me fez muito sentido estar sem fazer nada. As férias de verão eram gigantes e em Coruche não havia nada para fazer (risos). Foram as minhas próprias motivações que me levaram a envolver-me tanto no voluntariado.
Quando é que sai de Coruche?
Quando entro para a Universidade e me mudo para Coimbra para estudar Psicologia. Foi uma experiência absolutamente fantástica. Gostei tanto de viver em Coimbra que depois o que me custou foi ter de sair de lá (risos)!
Durante a licenciatura, escolhe a área da Psicologia da educação e do desenvolvimento humano. Qual o objetivo desta área da Psicologia?
Esta área procura criar condições para que a pessoa, ao longo de todo o seu ciclo de vida, tenha oportunidades para se desenvolver até à sua máxima realização e potencial, de forma a atingir o bem-estar psicológico. Quando falamos de Psicologia da Educação, falamos de contribuir para capacitar e para elevar o potencial das pessoas. É uma área promotora, proativa, que permite prevenir muitos problemas de ajustamento psicológico e saúde mental. O psicólogo desta área não trabalha só com crianças e jovens, trabalha com pessoas ao longo de toda a sua vida. E pode intervir de forma direta ou de forma indireta, através dos educadores, dos professores, dos pais, dos cuidadores…
A Escola é o lugar de desenvolvimento por excelência…
A Escola é qualquer coisa de incrível... Nós não vamos todos ao hospital, não vamos todos ao tribunal, não vamos todos à prisão, ao clube desportivo... Mas vamos todos à Escola! E durante muitos anos e durante muito tempo por dia. Aquilo que acontece na Escola e a forma como nela pode ser estrategicamente promovido o desenvolvimento, o bem-estar, as competências socioemocionais é absolutamente central. A Escola é um dos principais contextos e motores de promoção de saúde mental.
“Levamos a formação de psicólogos muito a sério.”
O que se seguiu depois de terminar a sua licenciatura?
O meu primeiro trabalho foi numa casa de acolhimento ainda em Coimbra. Só depois é que venho para o Porto e é aí que começo a trabalhar em investigação e a ligar-me ao mundo académico.
Foi algo inesperado?
Sim, até porque se há 30 anos me dissessem que eu seguiria uma via académica, eu dava uma gargalhada das grandes. Acabou por acontecer… Um professor convidou-me para um projeto na Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto e eu aceitei. Foi uma questão de oportunidade. Eu agarrei a oportunidade e tudo se seguiu naturalmente. Na altura, envolvi-me na área da Psicologia Social, foi nessa área que fiz investigação e o meu mestrado. É uma área muito interessante e transversal a todas as áreas da Psicologia, mas depois voltei à Psicologia da Educação e o meu doutoramento já foi nesta área.
“Não abdico da proximidade, contacto e relação com as pessoas.”
Vem para a Católica para a equipa que criou o curso de Psicologia, em 2004. O que é que distingue a Psicologia na Católica?
No outro dia, um estudante no final de uma aula veio ter comigo e perguntou-me “Professora, aqui a formação é mesmo boa?”. Sabe o que é que eu respondi? Dei uma gargalhada (risos) e disse-lhe que o melhor era ir perguntar aos colegas já formados pela Católica! Serão eles que melhor lhe saberão responder. Quanto a mim, acredito profundamente neste projeto. Acredito, há 20 anos, e continuo a acreditar. Vestimos 100% a camisola e temos consciência da grande responsabilidade que é formar psicólogos. Levamos a formação de psicólogos muito a sério. Distingue-nos a nossa preocupação genuína com os estudantes, a formação transversal que inclui competências socioemocionais, as oportunidades que disponibilizamos, como o serviço comunitário e a aprendizagem-serviço, a nossa investigação. As pessoas já vão conhecendo as marcas do nosso trabalho e todos os anos temos mais alunos a quererem vir estudar connosco.
O que é que mais a motiva na sua profissão?
Aquilo que me motiva tem a ver com a oportunidade de formar psicólogos. É realmente uma grande responsabilidade e eu posso contribuir para isso. Para mim, é um grande privilégio. Quero ter impacto nas pessoas e posso tê-lo ao formar psicólogos com mais qualidade. Depois procuro sempre ter aqui uma componente mais fora dos domínios da docência e da investigação. Sou coordenadora da Clínica Universitária de Psicologia, da FEP. Sempre fiz consulta de psicologia com crianças, jovens e famílias. E, portanto, há também na minha vida profissional uma componente aplicada forte. Não abdico da proximidade, contacto e relação com as pessoas.
Leva isso para as aulas?
Levo muito e acho que é o que cativa os alunos. Acredito que me torna uma profissional melhor. É muito mais impactante ensinar “com um pé” na prática. Nota-se que os olhos dos alunos brilham mais quando há exemplos concretos, situações concretas e histórias reais.
Um professor marcante na sua vida?
A minha professora da antiga chamada Escola Primária foi mesmo uma pessoa marcante na minha vida…
Porquê? Acreditava no potencial dos seus alunos?
Completamente! Quando uma criança sente que acreditam nela, isso vai criar e ativar uma série de processos psicológicos que são determinantes... As crianças evoluem muito mais sempre que sentem que acreditam nas suas capacidades.
Mas facilmente se rotulam os alunos e se criam preconceitos …
Aí entra a Psicologia Social! As primeiras impressões, os preconceitos, os estereótipos - são tudo mecanismos de economia cognitiva para “sobrevivência” àquilo que é o boom cognitivo a que somos submetidos. Mas a verdade é que isto tem muito impacto… é de uma gravidade extrema quando pessoas que trabalham com pessoas não põem em causa os seus preconceitos, os seus estereótipos, as suas ideias, as suas primeiras impressões. Muitas vezes, quando não se confia num aluno, ainda não existem sequer indicadores suficientes para se dizer que um aluno é capaz ou não é capaz. Há muitas generalizações distorcidas e há alguns professores, desde o básico, secundário ao ensino superior, que cometem profundas injustiças com os seus alunos, porque não souberam colocar as suas próprias ideias e estereótipos em causa. Se os professores o tentassem fazer mais vezes, antes de fazerem um julgamento antecipado e provavelmente injusto, muitas situações seriam evitadas. E quando falamos de crianças e jovens, do ensino básico e secundário, a Escola tem mesmo de ser um espaço seguro do ponto de vista psicológico. É importante que os alunos saibam que podem confiar pelo menos num adulto que lhes dá oportunidades para conseguir evoluir e que não julga logo as suas dificuldades e vulnerabilidades.
“Basicamente, andamos nesta Vida para cuidar uns dos outros (…)”
O que gosta de fazer nos tempos livres?
Faço uma caminhada todos os dias às sete da manhã. Descansa-me imenso, ajuda-me a arrumar a cabeça. Descansa-me ler, ver séries e cozinhar. Adoro cozinhar. Cozinhar é, também, uma forma de cuidar e de amar.
O que é que a move?
Deus. O Amor. Eu tenho uma fé que me move, que me inspira. Basicamente, andamos nesta Vida para cuidar uns dos outros, e é isso o grande motor da minha vida. Como dizia Santo Agostinho, “ama e faz o que quiseres”.
Pessoas em Destaque é uma rubrica de entrevistas da Universidade Católica Portuguesa, Centro Regional do Porto.