As condições extremas de teletrabalho impostas pelos confinamentos da COVID-19 dissolveram as fronteiras entre trabalho e vida pessoal. Um estudo do Centro de Investigação para o Desenvolvimento Humano (CEDH) da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica Portuguesa (FEP-UCP) analisou como os conflitos bidirecionais entre trabalho e vida pessoal, vividos durante a pandemia, afetaram diversas dimensões da vida dos professores universitários portugueses.
De acordo com Filipa Sobral, primeira autora do estudo, “durante a COVID-19, a casa de cada trabalhador tornou-se num espaço multifuncional, abrigando atividades profissionais, familiares e de lazer.”
A investigadora sublinha que este cenário proporcionou uma oportunidade única para explorar os conflitos entre trabalho e vida pessoal (trabalho-vida e vida-trabalho), analisando o impacto destes no bem-estar, desempenho profissional e na predisposição para continuar em regime de teletrabalho.
O estudo, intitulado "Blurred boundaries: exploring the influence of work-life and life-work conflicts on university teachers’ health, work results, and willingness to teleworking", focou-se nos professores universitários, uma classe profissional frequentemente associada a maiores dificuldades na conciliação entre as várias esferas da vida. Segundo Sobral, a dedicação ao trabalho e a cultura de alta performance tornam esta profissão especialmente vulnerável aos conflitos entre vida pessoal e profissional.
Com base em dados recolhidos de 383 professores universitários portugueses, através de um inquérito online, o estudo analisou os impactos dos conflitos trabalho-vida e vida-trabalho em três dimensões: burnout, perceção do desempenho profissional e disposição para continuar em teletrabalho.
Docentes consideram que o conflito vida-trabalho tem um impacto negativo no seu desempenho profissional
Os resultados demonstraram que tanto os conflitos trabalho-vida (quando as exigências profissionais interferem na vida pessoal) como os conflitos vida-trabalho (quando questões pessoais afetam o desempenho profissional) estão associados a níveis mais elevados de burnout. Contudo, os professores consideraram que apenas o conflito vida-trabalho teve um impacto direto e negativo no seu desempenho profissional.
“Os conflitos relacionados com questões pessoais revelaram-se mais prejudiciais ao desempenho profissional do que as interferências laborais na vida pessoal”, salienta a investigadora.
Apesar das adversidades, o estudo mostrou que os professores que se sentiram produtivos no teletrabalho estão mais dispostos a manter este regime no futuro. Além disso, embora o burnout tenha sido um fator que prejudicou o desempenho, não influenciou diretamente a vontade de continuar em teletrabalho.
Filipa Sobral reforça que “mesmo em condições adversas, os trabalhadores reconhecem vantagens no teletrabalho, como a flexibilidade e a autonomia. Isto sublinha a necessidade de ajustar as práticas laborais ao novo paradigma.”
Importância de abordar separadamente os conflitos trabalho-vida e vida-trabalho
A investigadora do CEDH destaca que é essencial tratar os conflitos trabalho-vida e vida-trabalho como conceitos distintos, dada a forma como impactam o bem-estar e a produtividade dos professores.
Algumas recomendações para as organizações passam por reconhecer e mitigar os conflitos vida-trabalho que afetam mais diretamente o desempenho profissional dos colaboradores; priorizar estratégias de redução de burnout, como o apoio emocional e a flexibilidade nas responsabilidades laborais; e delinear políticas de teletrabalho que melhorem o equilíbrio entre trabalho e vida, promovendo a saúde e a produtividade.
A investigação conta também com a participação de Eva Dias-Oliveira (CEGE e LEAD.Lab, Católica Porto Business School), Catarina Morais (CEDH) e Julia Hodgson (University of Liverpool Management School).
Este artigo é um dos resultados do projeto Work@Home, desenvolvido durante a pandemia de COVID-19 com o apoio financeiro do CEDH.