Somos aquilo que comemos, mas somos mais ainda. O impacto da alimentação no nosso quotidiano vai muito para além das necessidades do nosso organismo. Provavelmente, já todos teremos pensado em algum momento acerca da importância da alimentação na nossa vida, mas será que temos todos a consciência de como os alimentos nos afetam, nos impactam, nos transformam, nos inspiram, nos divertem? Bem, o rol de oportunidades da Alimentação é imenso e é no campus multidisciplinar da Católica no Porto que se torna evidente a transversalidade deste tema. A investigação, a saúde física e mental, a gastrodiplomacia, a ortorexia nervosa e a interação e a arte têm como denominador comum o tema Alimentação. Não restam dúvidas de que, seja nas Ciências, no Direito, na Economia e Gestão, na Psicologia e Educação, nas Artes ou na Enfermagem, a Alimentação ocupa um lugar de muito relevo.
Este dia comemorativo celebra-se a 16 de outubro, data da criação da FAO – Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação. Este organismo tem trabalhado em prol do combate à pobreza e à fome, através da promoção do desenvolvimento agrícola e da melhoria da alimentação. Esta comemoração constitui uma oportunidade de reflexão sobre o que pode ser feito para eliminar a pobreza e a fome no mundo e sobre o impacto que a alimentação tem na vida de todos.
A alimentação é crucial na nossa vida, porque é um garante da nossa sobrevivência. Mas não só. É, também, um dos maiores prazeres para muitas pessoas e constitui-se, também, enquanto forma de identidade cultural e até de expressão do status económico.
Mas, vamos diretos à pergunta a que todos querem resposta: afinal, o que posso ou devo comer? Posso comer isto? E aquilo? E em que quantidade? Elisabete Pinto, docente da Escola Superior de Biotecnologia (ESB), explica que a resposta é sempre “depende”, porque depende de quem o come, quando o come, em que quantidade o come, como foi produzido, como foi preparado, entre outros fatores. Quando o tema é Alimentação, não se pode invocar a linearidade, porque cada caso é um caso e porque todos os alimentos estão sujeitos a diferentes combinações, tipos de produção e processamentos. Mas uma coisa é certa: “apesar desta complexidade, é inegável que a alimentação influencia grandemente a nossa saúde, bem como a saúde do nosso planeta” e que o diga a ESB, que tem a Alimentação no seu código genético desde a sua fundação, quando lançou a licenciatura em Engenharia Alimentar, na altura a única no país.
Elisabete Pinto afirma que, desde logo, a ESB “estabeleceu uma forte investigação na área, com grande proximidade com a indústria alimentar, fazendo uma investigação muito aplicada.” Movida pelo dinamismo e pela vontade de estar sempre na vanguarda do conhecimento, a ESB, ao longo dos 38 anos de existência, alargou as suas áreas de ensino (como por exemplo, a criação da licenciatura em Ciências da Nutrição) e apostou numa investigação com uma verdadeira abordagem do “prado ao prato”: “a qualidade dos solos para produção de alimentos, estudo das diferentes variedades de plantas para seleção das mais produtivas e nutritivas, o desenvolvimento de novos alimentos, a valorização de subprodutos, a reformulação de alimentos existentes, a otimização de processos de produção de alimentos, a segurança alimentar, o estudo da relação dos alimentos/ nutrientes com a saúde e a comunicação destes resultados em termos de Saúde Pública, o estudo da sustentabilidade de toda a cadeia de valor, entre outros.”
Também o Instituto de Ciências da Saúde no Porto (ICS – Porto) tem produzido muito conhecimento sobre a relação que existe entre a alimentação e a saúde, com especial destaque para o papel do enfermeiro e a sua capacidade de intervir para promover a saúde na população.
O papel do enfermeiro na promoção da alimentação saudável
O enfermeiro está presente ao longo de todo o ciclo vital e, por isso, intrinsecamente envolvido na promoção de uma adequada alimentação. João Neves Amado, Constança Festas e Luís Sá, docentes e investigadores do ICS – Porto, reforçam a importância do papel do enfermeiro na educação para a alimentação e explicam que para se conseguir “transmitir conhecimentos e promover uma adesão à alimentação saudável é necessário ser-se conhecedor das dificuldades de cada utente.”
A falta de atenção e de força, o excesso de peso, problemas de mobilidade, dificuldade em respirar e as insónias são alguns dos impactos que a alimentação pode ter na saúde e que reforçam ainda mais a importância da proximidade dos enfermeiros. Os docentes explicam, também, que, “ao longo do crescimento, as necessidades de alimentação mudam e, por vezes, em situações de doença específicas, são necessárias adaptações na dieta. Só um acompanhamento pessoal e próximo, como o do enfermeiro, vai permitir o verdadeiro bem-estar da pessoa.”
Relativamente ao impacto da alimentação na saúde mental, estudos recentes demonstraram que “o risco de depressão é de 25% a 35% menor em utilizadores de dietas mediterrânicas, por causa da quantidade elevada de legumes, frutas, grãos não processados, frutos do mar e quantidades limitadas de carnes magras e produtos lácteos.”
O ICS – Porto está presente em várias comunidades e instituições parceiras onde estão a ser implementadas atividades que promovem a alimentação saudável: educar para escolhas de alimentação saudáveis, promover a importância do pequeno-almoço, sensibilizar para uma alimentação variada com base nas proporções da roda dos alimentos, entre outras ações.
Educar para a alimentação pode ser um verdadeiro desafio, principalmente se tivermos em conta que são muitos os estímulos e as vozes que se propagam pelos diferentes canais de comunicação, com especial destaque nas redes sociais. O conceito de ortorexia nervosa pode ainda ser do desconhecimento de muitos, mas já se estima que um valor próximo de 1% dos estudantes universitários dos Estados Unidos da América sofram deste problema.
Redes sociais e ortorexia nervosa
O conceito é explicado por Susana Costa e Silva, docente na Católica Porto Business School (CPBS), num artigo que assina no Dinheiro Vivo. A ortorexia nervosa é considerada como uma desordem obsessivo-compulsiva do foro alimentar que consiste no constante “pensamento que ocupa a mente e se reflete nas atitudes e comportamentos do indivíduo durante uma boa parte do seu dia e que o leva a ter presente o que vai comer, os ingredientes que vai ingerir, como os confecionar e em que quantidades. A questão principal não é aqui o emagrecer, mas sim o desejar ingerir apenas alimentos saudáveis e permanecer fit.”
Susana Costa e Silva explica que “a ortorexia começou a ficar conhecida com a evolução das redes sociais, designadamente do Instagram em que o uso de fotos é uma constante, assim como o apelo para uma imagem de perfeição”.
Este problema tem tido uma evolução crescente, sobretudo nas “situações de forte implantação do Instagram e de outras redes, onde o culto da imagem mais se faz notar.” A multiplicação de conteúdos nas plataformas sociais das marcas e dos influencers, bem como “o abuso de algumas alegações em produtos alimentares, como o light, o sugar free, o healthy e o zero têm a sua quota parte de responsabilidade.”
A docente da CPBS alerta para a importância de se combater o problema com “exigências regulamentares mais apertadas no que diz respeito a benefícios concretos de alguns produtos e campanhas de comunicação.” Acrescenta ainda que “cabe aos organismos reguladores legislarem neste sentido, mas cabe sobretudo às empresas zelarem para que a verdade científica e o rigor pautem a sua postura.”
A importância de se alimentar a alma
Mas, a comida também alimenta a alma, enquanto veículo de arte e de expressão e de consequente reflexão e questionamento. E se um artista tivesse convertido o seu espaço expositivo numa cozinha, tendo servido caril tailandês de graça a todos os visitantes? Pode parecer inventado, mas não é. Chama-se Rirkrit Tiravanija e em 1992, na Gallery 303, em Nova Iorque, propôs a exposição "Untitled (free)”.
Com esta proposta, o artista tailandês diminuiu as barreiras entre o artista e o observador e entre o espaço público e o privado. Em detrimento de objetos, “Tiravanija propõe relações como modalidades artísticas, neste caso, em torno da alimentação como agregador de sociabilidades”, explica Alexandra Balona, docente da Escola das Artes.
Para a docente, este é o artista mais paradigmático nesta área, tendo sido pioneiro do movimento Estética Relacional. “Na sua aparente simplicidade, esta proposta contribui para a ampliação do espetro de possibilidades da arte contemporânea. O visitante não está somente a observar arte, mas a sua interação é que constitui a obra de arte”, explica.
Um exemplo de como a arte se serviu da alimentação, enquanto fator de interação e de sociabilidade. É, pois, inegável a forma como a alimentação e os hábitos a ela associados nos envolvem e nos influenciam. Ora vejamos: não é a boa comida sempre um bom pretexto para juntar amigos e família? Não é muitas vezes à volta da mesa que surgem as melhores conversas? E quando se trata de tomar decisões e de influenciar a política externa? Será que a comida também é importante à volta da mesa das negociações? Pois é e chama-se gastrodiplomacia.
O couscous royal: um caso de gastrodiplomacia
No Mestrado em Direito, da Escola do Porto da Faculdade de Direito, existe uma unidade curricular intitulada “Artes, Direito e Relações Internacionais”, na qual uma das sessões é dedicada à gastrodiplomacia. Esta área dedica-se ao estudo de como a gastronomia tem um papel de relevo na política externa.
Um bom exemplo disto é o couscous royal, um prato do Magrebe, reivindicado (pelo menos) pela Argélia e por Marrocos. José Azeredo Lopes, docente e investigador da Faculdade de Direito, explica que, apesar de estes dois países não se apreciarem muito por motivos históricos, conseguiram chegar a um acordo para a apresentação de uma candidatura comum do couscous como património imaterial da humanidade. Para o docente “é muito pertinente o estudo da relação entre a gastronomia e as relações internacionais”.
Estão dadas as provas de como a Alimentação ocupa um lugar sem igual na vida de cada um e na vida em sociedade. É em relação que se vive e que se educa para a Alimentação. O papel das universidades é essencial, não só enquanto produtores de conhecimento, mas, também, enquanto agentes ativos na promoção de comportamentos saudáveis, sustentáveis e, sempre, socialmente responsáveis.